Pensamentos profundos
pensados à superfície, durante a curta viagem entre a Cidade do Cabo e o Cabo
da Boa Esperança.
A história da viagem do
comandante Ernest Shackleton e da sua tripulação a bordo do Endurance, é das
que mais gosto de recordar, por
diferentes e contraditórias razões.
A história é conhecida de
todos. O barco que saiu de Inglaterra em 1914, com 28 pessoas a bordo tinha
como primeiro objectivo chegar às terras da Antártida. Esse seria apenas o
primeiro passo para a realização da mais ambiciosa expedição da coroa
britânica: a travessia do continente com passagem pelo Pólo Sul. O Endurance
não conseguiu chegar ao fim. A poucas milhas da Antártida o barco ficou preso
num banco de gelo e não se conseguiu mais libertar. Sem nada poderem fazer, os
28 homens foram assistindo à destruição completa do navio, pela compressão dos
gelos. Durante seis meses viveram na placa flutuante enquanto esta seguia a
direcção das correntes. Quando se aproximaram da ilha do Elefante decidiram
fazer-se finalmente ao mar nos botes salva-vidas e alcança-la. Tinham pisado
terra pela primeira vez desde que haviam partido de Inglaterra.
Após o colapso completo da ideia
inicial, a preocupação de Shackleton virava-se agora para uma segunda e mais
ambiciosa viagem: a viagem “impossível” para salvar os 28 homens que tinham
sobrevivido à tragédia. Seis voluntários, onde se incluía o próprio comandante,
fizeram-se então ao mar num pequeno bote com uma vela improvisada para tentarem
percorrer os 800 quilómetros que os separavam da Ilha da Geórgia do Sul,
aventurando-se no pior dos mares que existe no planeta. Ao fim de duas semanas
de navegação chegaram finalmente a terra, mas mais uma vez tiveram azar porque aportaram
no local mais distante da colónia de pescadores que existia na ilha, o que os
obrigou a um último esforço para atravessarem a pé as montanhas geladas. Depois
de chegarem à colónia puderam finalmente contactar o seu país e pedir a tão
desejada ajuda, mas mais uma vez não tiveram sorte. Responderam-lhes que a guerra
tinha começado, que todos os recursos do país tinham sido mobilizados e que não
haveria nenhum barco disponível para o salvamento. A ajuda conseguiram-no por
fim no Chile.
Quando regressaram à ilha do
Elefante tinham passado mais de 3 meses desde que haviam partido. Os 22
companheiros continuavam lá, num estado limite das capacidades físicas e
mentais, mas todos vivos.
A travessia da Antártida, aquela
que poderia ter sido a grande viagem de consagração para Shackleton e reservar-lhe
finalmente a fama e a glória que ele tanto procurava tinha fracassado
completamente. No entanto a história da sobrevivência dos 28 homens acabou por
se sobrepor ao insucesso da expedição e sem que ele desse conta, na altura,
tinha acabado de transformar um dos maiores fracassos da história das
explorações num dos maiores feitos de resistência das capacidades humanas.
Consta que depois desta
viagem cada um dos 28 companheiros partiu para o seu canto e não mais se
voltaram a encontrar. Shackleton, esse, voltaria 7 anos depois à Antártida, mas
mais uma vez não chegou a pisar o continente. Morreu de ataque cardíaco ao
largo da Geórgia do Sul, onde ficou sepultado até hoje.
2 comentários:
Como é bom "viajar" contigo :)
Olá Joana. Obrigado pelo teu simpático comentário.
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