terça-feira, 30 de abril de 2013

África do Sul


Finalmente o famoso Cabo da Tormentas.

Vasco da Gama é uma figura estranha. Aquele a quem foi oferecido a realização de uma das mais importantes tarefas da história, com consequências políticas, económicas e culturais de grande escala no futuro do mundo, continua a ser uma pessoa, ainda hoje, algo misteriosa. A pergunta que recorrentemente se coloca é a de saber se ele estaria à altura do trabalho que iria realizar. A parte geográfica já tinha sido resolvida por Bartolomeu Dias uns anos antes, agora, a chegada à Índia necessitaria de algo mais do que um bom marinheiro ou militar, necessitaria de um político. Como se sabe, ele não teve grande sucesso nessa área, nem nos sítios por onde passou, nem, pelos vistos, nas relações que teve com o poder de Portugal, depois do seu regresso. A juntar a tudo isto ainda o facto de não ter deixado nada escrito, pelo menos que se saiba. Se hoje sabemos alguma coisa da viagem  devemo-lo a um relato anónimo que os historiadores atribuem a um tal de Álvaro, o velho. E diz assim o relato:

“… e ao sábado á tarde ouvemos vista do dito cabo de Boa Esperença, e em este dia mesmo viramos em a volta do mar, e de noute viramos em a volta da terra. E ao domingo pella manham, que foram dezanove dias do mês de novembro, fomos outra vez com o cabo, e nam o podemos dobrar porque o vento era susueste e o dito cabo jaz nordeste su-dueste, e em este dia mesmo viramos em a volta do mar, e á noute da segunda feira viemos em a volta da terra. E á quarta feira ao mêo dia pasámos pello dito cabo ao longo do costa com vento á popa. E junto com este cabo de Boa Esperança ao sull jaz huuma amgra muito grande que emtra pella terra bem seis legoas e em boca averá bem outras tantas.  …”

quinta-feira, 25 de abril de 2013

África do Sul


Ainda não é o cabo.

Pensamentos profundos pensados à superfície, durante a curta viagem entre a Cidade do Cabo e o Cabo da Boa Esperança.

A história da viagem do comandante Ernest Shackleton e da sua tripulação a bordo do Endurance, é das que mais gosto de recordar,  por diferentes e contraditórias razões.
A história é conhecida de todos. O barco que saiu de Inglaterra em 1914, com 28 pessoas a bordo tinha como primeiro objectivo chegar às terras da Antártida. Esse seria apenas o primeiro passo para a realização da mais ambiciosa expedição da coroa britânica: a travessia do continente com passagem pelo Pólo Sul. O Endurance não conseguiu chegar ao fim. A poucas milhas da Antártida o barco ficou preso num banco de gelo e não se conseguiu mais libertar. Sem nada poderem fazer, os 28 homens foram assistindo à destruição completa do navio, pela compressão dos gelos. Durante seis meses viveram na placa flutuante enquanto esta seguia a direcção das correntes. Quando se aproximaram da ilha do Elefante decidiram fazer-se finalmente ao mar nos botes salva-vidas e alcança-la. Tinham pisado terra pela primeira vez desde que haviam partido de Inglaterra.
Após o colapso completo da ideia inicial, a preocupação de Shackleton virava-se agora para uma segunda e mais ambiciosa viagem: a viagem “impossível” para salvar os 28 homens que tinham sobrevivido à tragédia. Seis voluntários, onde se incluía o próprio comandante, fizeram-se então ao mar num pequeno bote com uma vela improvisada para tentarem percorrer os 800 quilómetros que os separavam da Ilha da Geórgia do Sul, aventurando-se no pior dos mares que existe no planeta. Ao fim de duas semanas de navegação chegaram finalmente a terra, mas mais uma vez tiveram azar porque aportaram no local mais distante da colónia de pescadores que existia na ilha, o que os obrigou a um último esforço para atravessarem a pé as montanhas geladas. Depois de chegarem à colónia puderam finalmente contactar o seu país e pedir a tão desejada ajuda, mas mais uma vez não tiveram sorte. Responderam-lhes que a guerra tinha começado, que todos os recursos do país tinham sido mobilizados e que não haveria nenhum barco disponível para o salvamento. A ajuda conseguiram-no por fim no Chile.
Quando regressaram à ilha do Elefante tinham passado mais de 3 meses desde que haviam partido. Os 22 companheiros continuavam lá, num estado limite das capacidades físicas e mentais, mas todos vivos.
A travessia da Antártida, aquela que poderia ter sido a grande viagem de consagração para Shackleton e reservar-lhe finalmente a fama e a glória que ele tanto procurava tinha fracassado completamente. No entanto a história da sobrevivência dos 28 homens acabou por se sobrepor ao insucesso da expedição e sem que ele desse conta, na altura, tinha acabado de transformar um dos maiores fracassos da história das explorações num dos maiores feitos de resistência das capacidades humanas.
Consta que depois desta viagem cada um dos 28 companheiros partiu para o seu canto e não mais se voltaram a encontrar. Shackleton, esse, voltaria 7 anos depois à Antártida, mas mais uma vez não chegou a pisar o continente. Morreu de ataque cardíaco ao largo da Geórgia do Sul, onde ficou sepultado até hoje.




domingo, 14 de abril de 2013

África do Sul




Simon’s Town, uma das pacatas vilas balneares que fazem parte do percurso Cidade do Cabo – Cabo da Boa Esperança.

Chegou finalmente o momento de viajar até ao mítico Cabo. Esta vai ser uma caminhada fácil e confortável, por estrada, sem ventos nem marés nem monstros Adamastores. A paisagem é idílica, o sol brilha e a temperatura está amena. Esta é uma viagem que deveria envergonhar qualquer navegador que se preze, como me deveria envergonhar a mim, de tão fácil que é. A estrada corre em proximidade com o mar sem fim. Ao contrário, lá longe, a sul do Cabo da Boa Esperança, mais ou menos por volta do paralelo 60, encontra-se uma linha de correntes marítimas e de ventos ciclónicos desaconselháveis para a presença humana. Ali se cruzam as águas geladas da Antártida com as águas frias que vêm do norte no único sitio onde é possível circundar o planeta por mar sem nunca encontrar terra. Ali conseguimos saber por experiência própria que a terra é mesmo redonda ... se chegarmos ao fim.  
Amir Klink, o navegador brasileiro que por ali passou em 1998, numa viagem de circunavegação em que esteve 141 dias sem pisar terra, escreveu assim no seu magnifico livro “ Mar sem Fim”:

Hoje entendo bem o meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é, que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

África do Sul


Adderley street, Cidade do Cabo.

Não é todos os dias que se rouba um banco, ainda que seja para as folhas de um caderno. Digamos que realizei um velho sonho de infância.