quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

África do Sul


Trabisang Primary School - Soweto - Joanesburgo

Mesmo utilizando a mais sofisticada tecnologia GPS não é fácil conduzir pelas estradas de um bairro  ( parece que agora tem estatuto de cidade ) de mais de dois milhões de habitantes. O Soweto (South Western Townships) foi construído nos anos 60 para albergar os negros que trabalhavam nas minas de ouro de Joanesburgo, mas acabou por ficar famoso por causa das lutas anti-apartheid que ali se desenvolveram. Entretanto o bairro cresceu e hoje não é fácil descrevê-lo. De meia dúzia de pequenas casas simples, de tijolo e telhado de zinco, semi-planeadas, passou para uma enorme malha “urbana” onde se encontra de tudo um pouco, desde a mais pobre casa feita de madeira, cartão e chapa até casas de cimento e tijolo que se poderiam perfeitamente integrar na paisagem costeira/ balnear do nosso Portugal. A populacão também foi mudando, principalmente depois da queda do apartheid. Alguns negros com dinheiro começaram a comprar casas no centro da cidade ( antiga zona de brancos ) o que fez com que os brancos se fossem embora para bairros de condominios fechados nos arredores. Este facto desvalorizou as casas do centro que se tornaram acessiveis a mais pessoas vindas dos chamados bairros pobres. No Soweto o fenómeno foi idêntico, as casas vazias foram sendo ocupadas por imigrantes que entretanto começaram a chegar, provenientes de inumeros países de África, dando origem a uma outra hierarquia na sociedade, esta menos racial e mais económica, ou talvez as duas juntas. À cultura apartheid, que já tinha  contaminado os mais pequenos recantos da sociedade, juntou-se agora também a discrimanação económica. Os poucos brancos que ficaram pobres são os únicos  que hoje vivem paredes meias com os negros. À antiga tensão racial juntou-se também agora uma tensão económica. Nas ruas a “Guerra” já não é só entre brancos e negros, mas também entre negros e negros e por vezes entre brancos e brancos. Digamos que no país existe uma grande maioria de brancos e de negros que parecem não descansar enquanto não se matarem todos uns aos outros, e depois, pelo meio, existe uma minoria silenciosa ( de brancos e negros ) que acredita verdadeiramente no país e que, no fundo, são os que vão segurando as pontas desta nova nação. Mas voltando ao Soweto, para além desta amálgama social, o bairro tem agora também para mostrar, a quem tiver interesse, uma vertente turistica. A pequena casa onde Nelson Mandela viveu nos anos 60, está lá transformada em museu. Foi ali que ele viveu, e foi ali igualmente, que se fizeram algumas reuniões históricas do ANC. Nos anos que por ali passou, constituiu familia e teve filhos que frequentaram a mais antiga escola do bairro: Trabisang Primary School, a mesma escola que é, afinal, a razão da minha vinda ao Soweto.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

África do Sul 2012



Joanesburgo - Soweto

Se há um coisa que define África, assim muito rapidamente falando, essa coisa chama-se “força da natureza”. Ali tudo parece ainda girar à volta dos ciclos da vida e da morte, da luz e das trevas e talvez por isso o nascer de um dia é sempre particularmente inspirador. Os primeiros raios de claridade despertam bem cedo a natureza adormecida e ninguém mais consegue ficar indiferente. A essa hora do dia já não é mais possível virar o corpo para o outro lado e voltar a adormecer. A luz da manhã funciona como uma espécie de vitamina que rapidamente tira todos os seres vivos do estado de sonolência em que estiveram durante horas para os atirar para o frenesim histérico da luta diária.
São cinco horas da manhã e sons ensurdecedores de aves, misturados com os dos inúmeros insectos que chocam contra o vidro da janela do quarto, empurram-me para o turbilhão do dia que já se avizinha.
Às seis da manhã já não é fácil circular pelas entradas e saídas de Joanesburgo. As estradas estão entupidas de carros. A pé circulam apenas os negros mais pobres. Esta divisão social que começou como uma divisão económica é hoje também imposta por via da chamada “segurança individual”. Andar no espaço público em Joanesburgo é meio caminho andado para ir rapidamente desta para melhor, dizem. Em alternativa a este estado de guerra permanente usa-se o carro, se possível blindado e sempre com a arma pronta no guarda-luvas, em casa sobem-se os muros, coloca-se o arame farpado electrificado, sistemas de vigilância e segurança pessoal. A cidade vive permanentemente num estado de histeria colectiva, uma enorme panela de pressão pronta a rebentar a qualquer momento. À violência do assalto responde-se com ainda maior violência, numa espiral que parece não ter fim. Quem tem dinheiro vive numa espécie de bolha, virado para si mesmo e de costas para o mundo, e quanto mais se ignora o espaço público mais degradado este vai ficando e mais difícil fica a possibilidade de as pessoas se encontrarem e de se confrontarem nas suas diferenças, nas suas qualidades e nos seus defeitos. A violência em Joanesburgo está condenada a não desaparecer enquanto não se reconquistar e não se voltar a respeitar o espaço público. Entretanto já saí da autoestrada e o carro atravessa agora o enorme bairro do Soweto. Como diria um tal de Bruce Chatwin: “What am I doing here ?”

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Índia 1995

Dois desenhos feitos em Benares, na Índia, em 1995



Uma pausa no caderno da África do Sul para um post sobre Muhammad Yunus


Há uns anos atrás dei por mim a ler os livros de Muhammad Yunus e percebi rapidamente uma coisa. Ele não devia ter ganho o prémio Nobel da Paz mas sim o Nobel da Economia. A ideia que está por trás da atribuição do prémio é legitima e pode fazer sentido ( não é possível haver paz num mundo com pobreza ), mas depois de conhecer razoavelmente bem o seu trabalho só pude concluir que a Academia Sueca teve medo de entrar pelo caminho da economia e decidiu dar-lhe um reconhecimento mas, reencaminhando-o para o país vizinho ( o Nobel da paz é atribuído pela Noruega ).
Segundo Yunus, aquilo que move o Homem na sua vida são basicamente 3 coisas: o dinheiro, o reconhecimento ( fama, glória ), o prazer pessoal ( gosto, paixão, amor, vontade, etc. ). É uma destas 3 coisas ( ou a conjugação de mais do que uma ) que normalmente nos motiva para um objectivo. Aquilo que a história da humanidade nos diz é que, basicamente, a nossa motivação foi sempre assente no dinheiro. Esse facto levou a que se instalasse e se perpetuasse durante décadas um sistema de miséria no seu país natal ( Bangladesh ). Foi para tentar resolver esse problema que ele criou o Grameen bank em 1976. A filosofia do banco era simples, oferecer crédito praticamente sem juros a pessoas pobres para poderem estruturar economicamente a sua vida, libertando-se assim de um sistema de permanente escravatura económica em que viviam. Foi estabelecido com todos os funcionários do banco um ordenado que lhes possibilitasse uma vida normal mas sem direito a aumentos no futuro. Todo o dinheiro ganho pelo banco seria aplicado em novos empréstimos. A motivação dos trabalhadores foi feitas através de condecorações ( uma espécie de estrelas que eles colocavam na camisa, como fazem os militares ). O resultado do trabalho da equipa do Grameen foi impressionante. Percebeu-se que toda a gente que recorreu a empréstimos pagou sempre tudo no tempo acordado, rapidamente uma percentagem enorme da população deixou de viver abaixo do limiar da pobreza, mas mais do que isso todos os trabalhadores do banco passaram a ser adorados, respeitados e venerados pela generalidade do país. Mais do que um sucesso social e económico, Muahmmad Yunus conseguiu um verdadeiro milagre, provar na prática que uma nova economia pode reger o mundo. Como ele próprio disse o problema não está forçosamente no capitalismo ( de quem ele é defensor ), mas na forma como este capitalismo atua sobre todos nós e sobre as nossas motivações.Quando Nelson Mandela foi libertado em 1990, referiu na altura que não era só ele que estava a ser libertado mas também todos os brancos do país, que tinham vivido igualmente acorrentados mas, ao contrário dele, a uma forma tacanha de olhar para o mundo. O que Muahmmad Yunus também nos mostrou com esta sua experiência do Grameen Bank é que não foram só o pobres que ganharam no Bangladesh, foram igualmente os ricos … por muito que lhes custe a perceber.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

África do Sul 2012




Palácio da Justiça, Church Square, em Pretória.

Se este desenho fosse feito no dia 16 de junho de 1964 seria provavelmente um desenho a preto e branco.  A preto e branco porque era assim que a sociedade estava dividida, mas também a preto e branco pela gritante e ofuscante ausência de luz no país. 16 de junho de 1964 foi o último dia do julgamento dos principais líderes do ANC ( julgamento de Rivonia), acusados de actividades subversivas contra o governo de então. Nelson Mandela assumiu, no Palácio da Justiça de Pretoria, a defesa do grupo, onde ele próprio estava incluído, mas de nada valeram os seus argumentos para evitar uma condenação a prisão perpétua. Para a história ficou a frase “ Eu cultivei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual todos poderiam viver em harmonia e com oportunidades iguais. Ainda espero desfrutar deste ideal. Se for necessário morro por ele.” Não foi necessário ele morrer mas foram necessários quase 30 anos de prisão para que o arco-íris voltasse a colorir o país.