quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

África do Sul 2012



Joanesburgo - Soweto

Se há um coisa que define África, assim muito rapidamente falando, essa coisa chama-se “força da natureza”. Ali tudo parece ainda girar à volta dos ciclos da vida e da morte, da luz e das trevas e talvez por isso o nascer de um dia é sempre particularmente inspirador. Os primeiros raios de claridade despertam bem cedo a natureza adormecida e ninguém mais consegue ficar indiferente. A essa hora do dia já não é mais possível virar o corpo para o outro lado e voltar a adormecer. A luz da manhã funciona como uma espécie de vitamina que rapidamente tira todos os seres vivos do estado de sonolência em que estiveram durante horas para os atirar para o frenesim histérico da luta diária.
São cinco horas da manhã e sons ensurdecedores de aves, misturados com os dos inúmeros insectos que chocam contra o vidro da janela do quarto, empurram-me para o turbilhão do dia que já se avizinha.
Às seis da manhã já não é fácil circular pelas entradas e saídas de Joanesburgo. As estradas estão entupidas de carros. A pé circulam apenas os negros mais pobres. Esta divisão social que começou como uma divisão económica é hoje também imposta por via da chamada “segurança individual”. Andar no espaço público em Joanesburgo é meio caminho andado para ir rapidamente desta para melhor, dizem. Em alternativa a este estado de guerra permanente usa-se o carro, se possível blindado e sempre com a arma pronta no guarda-luvas, em casa sobem-se os muros, coloca-se o arame farpado electrificado, sistemas de vigilância e segurança pessoal. A cidade vive permanentemente num estado de histeria colectiva, uma enorme panela de pressão pronta a rebentar a qualquer momento. À violência do assalto responde-se com ainda maior violência, numa espiral que parece não ter fim. Quem tem dinheiro vive numa espécie de bolha, virado para si mesmo e de costas para o mundo, e quanto mais se ignora o espaço público mais degradado este vai ficando e mais difícil fica a possibilidade de as pessoas se encontrarem e de se confrontarem nas suas diferenças, nas suas qualidades e nos seus defeitos. A violência em Joanesburgo está condenada a não desaparecer enquanto não se reconquistar e não se voltar a respeitar o espaço público. Entretanto já saí da autoestrada e o carro atravessa agora o enorme bairro do Soweto. Como diria um tal de Bruce Chatwin: “What am I doing here ?”

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